O dia em que poeta viu a mendiga
Receber uma esmola de Tomaz Salustino.
Texto de Luiz Gonzaga Cortez
07/12/12
Ele foi um dos homens mais populares de Currais Novos. Moreno, baixinho,
rico, senhor de terras e simpático – ele fazia questão de ser benquisto pelo
povo pobre e reclamava dos que se acanhavam de falar com ele - o doutor Tomaz Salustino foi um dos homens
que mais se destacaram na família Gomes, um clã de fazendeiros e agricultores,
que migrou da Paraíba para o Rio Grande do Norte. Quase todo o Seridó e Oeste
potiguar foram colonizados por famílias paraibanas e pernambucanas. No século
XIX e princípios do Século XX, era comum os casamentos com os parentes. Por
isso, em Currais Novos, ainda hoje sobrevivem casais formados dentro de uma só
família; há primos casados com primas, sobrinhas, etc. Há casos de problemas de
saúde por causa desses casamentos, mas não há nenhuma pesquisa a respeito. O
dr. Tomaz é oriundo da família Gomes de Melo que, por sua vez, se amalgamou com
as famílias Cortez, Pegado, Dantas, Galvão e outras. Depois dele, o Gomes mais
famoso, na atualidade, é o agrônomo e servidor da SUDENE aposentado, Geraldo
Gomes de Oliveira, prefeito de Currais Novos, candidato à reeleição e com
amplas chances de derrotar os seus adversários forasteiros. (Nota: na eleição
de 07.10.12, Geraldo Gomes não foi reeleito).
Casado com uma parente, dona
Tereza Bezerra de Araújo Melo, filha do Coronel Zé Bezerra da Aba da Serra (avô materno de Tomaz
Salustino Gomes de Melo), um latifundiário e chefe político conservador.
Integrante de uma família conservadora, católica e de agricultores, na qual a
opinião e a vontade do pai predominavam, Tomaz Salustino (1880-1963) na
juventude, revelou seus pendores intelectuais na pequena comunidade de Currais
Novos, onde a principal atividade econômica era a pecuária e a agricultura de
subsistência. Manoel Salustino Gomes de
Melo Macedo, casado com Ananília Regina de Araújo Gomes de Melo, filha de Tomaz
Araújo Pereira e de Rita Regina de Albuquerque Araújo Pereira, era dono de
extensas terras, entre os municípios de Currais Novos e Lages, na região
Central. “Era terra demais”, afirma José Saldanha de Menezes Sobrinho, poeta
popular, natural de Santana do Matos, 83, amigo e ex-inquilino de Tomaz
Salustino Gomes de Melo. Esse latifúndio foi repartido, vendido, tripartido ao
longo dos anos. Hoje ainda restam terras, riachos, grutas e grotas, buracos e
socavões, que, em virtude da decadência da indústria extrativa mineral, os
herdeiros e sucessores pretendem transformar em pontos turísticos de Currais
Novos. Torcemos para que as operadores de Natal, do Sul e do Sudeste se
interessem pelos cascalhos, xiques-xiques, sodoros e macambiras.
Naquela época, o pai decidia o futuro dos filhos (as). Se o pai quisesse
que o filho fosse agricultor, ele deixaria de estudar para trabalhar na roça.
As filhas eram destinadas para serem esposas. Se formar? Nem pensar. Isso quase
que acontecia com o jovem Tomaz. No entanto, foi formada uma comissão de três
tios (José Gomes de Melo Jr, Benedito Gomes e outro não identificado) para
conversar com o pai dele, Manuel Salustino Gomes de Melo Macedo, sobre o seu
futuro. A conversa, depois das tratativas iniciais, foi mais ou menos assim:
“Manoel, viemos aqui para pedir que você mande seu filho Tomaz se formar. A
família não tem nenhum doutor e esse rapaz é muito inteligente, de muito
futuro, e aqui não tem futuro pra ele. Mande esse menino pra Recife ser
advogado, juiz de direito, porque aqui nunca saiu um juiz”. O porta-voz foi
José Gomes de Melo, o “padrinho Zezinho”. O pai concordou com os conselhos dos
irmãos e mandou Tomaz Salustino estudar na Faculdade de Direito de Recife, em
1906, quando já estava casado, com 26 anos de idade e 2 filhos. Segundo Cleando
Cortez Gomes, residente em Fortaleza-Ce, filho de Manoel Genésio Cortez Gomes,
primo de Tomaz, os mais velhos da família Cortez Gomes de Melo, de Currais
Novos, conhecem essa história.
Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais aos 30 anos de
idade. Graças a Benedito Gomes de Melo, casado com Teodora F. de Araújo, filha
de Cananéa e neta do governador Tomaz de Araújo Pereira, o terceiro desse nome,
Manoel Salustino Gomes de Melo Macedo formou um doutor na família Gomes. Quem
era Benedito? Benedito era um dos treze tios de Tomaz, isto é, um dos treze
filhos de Úrsula de Macedo Gomes de Melo e José Gomes de Melo. Esse casal teve
os seguintes filhos: Manuel Salustino (Salustino é derivado de Salústio, um
político e historiador de Roma antiga), Benedito; José Gomes de Melo, casado
com Maria Camila Cortez Gomes de Melo e com Ana Gomes Cortez (Segunda núpcias);
André Gomes de Melo, casado com Rita Dantas Gomes de Melo; Guilhermina Regina
de Araújo, casada com Francisco Vicente Dias de Araújo; Josefa Gomes de
Oliveira, casada com Manoel Antonio Eloi de Oliveira (sem filhos); Maria Regina
de Araújo, casada com Francisco Umbelino de Araújo; Úrsula Augusta de Araújo
Dantas Cortez, casada com Manoel Pegado Dantas Cortez; Francisco Umbelino
Gomes, casado com Felismina Maria de Macedo Gomes; Francisca Gomes Xavier
Dantas, casada com Antonio Xavier Dantas; Miguel Salustiano Gomes de Melo,
casado com Teresa Amélia de Jesus Gomes de Melo e Rita Clementina de Macedo
Gomes de Melo, casada com Manoel Gomes de Melo. Aqui um parêntese: esse casal
teve os filhos José, Veneranda, Antonio, Sofia, Mizael, Manoel, Julia,
Ernestina, Francisco e Otília de Macedo Gomes de Melo. Veneranda era a mãe do
poeta e escritor José Bezerra Gomes. Mizael, falecido em 1996, era o pai de
Cleodon e Adailton, sócios da Livraria Potylivros, ex-Cortez&Moraes,
fundada pelo irmão, José Xavier Cortez, ex-marinheiro e hoje empresário bem
sucedido, e o meu (e deles) primo legítimo Braz. Ontem, 25.09.05, José Cortez
contou pedaços de sua vida no Programa Memória Viva, da TV-Universitária, de
Natal.
O poeta José Saldanha disse que o
dr. Tomaz era um homem culto e gostava de fazer poesias. “Eu morava em Cerro
Corá, numa casa que foi de José Fidelis, pai de Pedro Fidelis, mas que o doutor
Tomaz comprou e me alugou. Muitas vezes, ele ia cobrar os aluguéis em Cerro
Corá e Lagoa Nova e, nessas ocasiões, ele mostrava as suas quadrinhas, trovas,
que ele compunha. E me dizia: “olhe, eu tenho muitas quadrinhas em casa. Passe
por lá pra gente ver”. Essas quadrinhas ele escrevia em cadernos, que devem
estar em Currais Novos, pois nunca publicaram”.
Tomaz Salustino Gomes de Melo, aos 82 anos e meses, certa vez, viajou a
Cerro Corá com Josué Pereira, um político e gerente de seus negócios, como
motorista. “Eu morava na casa dele, no centro de Cerro Corá, quando ele chegou
no carro dirigido por Josué Pereira. Aí apareceu uma mendiga, esfarrapada,
alta, branquela, pedindo uma “esmolinha pelo amor de Deus”a doutor Tomaz. Ele
deu uns 5 cruzeiros e a mendiga agradeceu assim: “Deus te dê saúde e felicidade”. O doutor Tomaz disse:
“Peça saúde e felicidade pra você que está nesse estado, pobre, pedindo esmolas
e não para mim, que estou lhe dando dinheiro e estou com saúde”. No outro dia, doutor Tomaz levou uma queda da
cadeira, uma espreguiçadeira que se desmanchou e fez com que ele caísse no
chão, provocando fraturas. Dessa queda, o doutor Tomaz não se recuperou e
faleceu dias depois. Me lembro como se fosse hoje. Parece até uma fatalidade
prevista”, relembra José Saldanha
Saldanha afirma que o dr. Tomaz gostava de passear pelas calçadas e
quando notava que um popular desviava o caminho para não cumprimentá-lo, por
vergonha ou acanhamento, ou por estar devendo alguma quantia, ele chamava a
pessoa e dizia: “Porque você não falou comigo? Não tenha medo, não, eu sou
igual a você”. Aí a pessoa falava, dava
bom dia e a vida continuava. “O cabra ia pedir dinheiro emprestado e ele dizia
que não era agiota, mas que podia ajudar. Se a pessoa não pagasse no prazo, ele
cobrava taxas de juros do comércio; se a pessoa não pagasse, ele não emprestava
mais. Se deram calotes nele, foram poucos”, afirma José Saldanha, que nunca
viu, nem sabe por ouvir dizer, que Tomaz Salustino jogasse, bebesse, fumasse e
fosse perdido por mulher.
Aqui pra nós, eu, particularmente, sei quem jogava, bebia, fumava e era
perdidinho por mulher. Mas isso é outra história.
Luiz Gonzaga Cortez é jornalista.
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