Povo do Recife homenageou o grande poeta Mauro Motta com obra de arte. Fonte: Google.
No dia 9 de fevereiro passado, recebi este imeio do curraisnovense Roberto M. Cortez Motta, há muitos anos ausente do Rio Grande Norte, manda algumas informações sobre os Pegado Cortez e Siqueira Cortez, oriundos de Pernambuco. Roberto é doutor em antropologia e professor da Universidade Federal de Pernambuco. Eis o texto:
Meu Primo: Estou em Paris sentindo muito frio (mas adoro
esta cidade) e seu email me transportou a minhas origens no Sertão quentíssimo
do Rio Grande do Norte. Você e eu somos parentes colaterais, que é o mínimo que
posso dizer. Quando muito jovem, correspondi-me com nosso parente João Alfredo
Pegado Cortez. Não creio que ele tenha chegado a escrever em forma de livro.
Mas me mandou uns papéis aparentemente fidedignos, os quais, meu primo, para
vergonha minha, estão perdidos dentro de meus arquivos no Recife.
Simplificando, simplificando, de vez em quando eu encontro parentes do Rio
Grande do Norte. Mas, pelo lado Pegado Cortez, somos de tronco pernambucano.
Nossos antepassados, subindo o curso dos rios, entraram no Rio Grande do Norte,
botando currais e tomsndo as terras dos Índios e com estes se misturando, entre
o XVII e o XVIII. Desconfio que tomaram parte ativa na chamada "Guerra dos
Bárbaros " ou "Guerras dos Janduins" (ou coisa assim). O que eu
sei está no attachment a este email. Preste atenção ao livro do nosso do nosso
parente Maia, que menciono no attachment, embora nessas coisas, quero dizer, em
matéria de genealogia, devemos avançar com muito cuidado. Logo se criam muitos
mitos, inclusive o que nos faria descender do conquistador do México, Hernán
Cortés (ou coisa assim), o qual, como dizia um contemporâneo, por muito favor
era cristão velho.
Enfim, Cortezes de todos os estados e países (temos muito
primos aqui em França e nos Estados Unidos) uni-vos para que melhor vos
conheçais. (Será que esta forma verbal existe?) Mantenhamos contacto! Seu primo
em enésimo grau, Roberto Mauro Cortez Motta.
“O avô de fraque, a avó entre os
jacarandás, o neto, de qualquer peraltice capaz, desta inclusive de mexer nas
coisas mortas.” [1]
Meu avô,
Natanael Pegado Siqueira Cortez (1889, Açu, Rio Grande do Norte; 1967,
Fortaleza) teve certa importância como líder da Igreja Presbiteriana, até em
plano nacional, além de algum destaque na vida da Província, existindo
bibliografia a seu respeito. Ele próprio também escreveu muitos trabalhos,
sermões ou artigos de circunstância, às vezes de polêmica religiosa, dos quais
devo ter grande parte. Para escrever estes comentários, eu mais do que folheei
essa bibliografia. Dela se depreende um relato entre heróico e hagiográfico.
Natanael era filho de Ismael Pegado Siqueira Cortez e de Umbelina Alves, dele
em segundo casamento, dela em primeiro.
Ismael pode ter nascido uns 30 anos antes do filho, isto é por volta de
1860. Os Cortez deviam ser gente abastada. Um parente nosso, João Maia
Nogueira, escreveu um livro intitulado Uma
Fresta no Tempo: Historiografia das Famílias Maia, Lima Verde, Varela Cortez,
Guedes Alcoforado, Nogueira de Castro e Teixeira Mendes, impresso em
Fortaleza no ano de 2007. Em determinado trecho, o autor, com o qual eu tenho
pelo menos um trisavô em comum (mas acho que mais), alude a um João Pegado
Siqueira Cortez, que teria vivido em Pernambuco no século XVIII, sendo
mencionado por Borges da Fonseca na Nobiliarquia
Pernambucana. Este João Pegado I teria sido, de acordo com o primo, avô, mas
avô materno, de outro João Pegado.[2]
Este último, se tivesse o sobrenome do pai, se chamaria João Cavalcanti Sá e eu
seria Roberto Mauro Sá Motta,[3]
o que eu acho muito inferior a Roberto Mauro Cortez Motta.[4]
Entrou sangue
índio na ascendência de Natanael, em parte, como quero imaginar, proveniente da
Catarina, filha extramatrimonial, mas reconhecida, de Jerônimo de Albuquerque
com a índia Maria do Espírito Santo Arcoverde, casada em justas núpcias com o
florentino Filipe Cavalcanti.[5]
Mas também podia provir de tapuias, “caçadas a dente de cachorro”, como se diz
no sertão de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Meu avô era
fundamentalmente branco, embora, quando bem observado, se notasse o sangue
índio. De uma de suas irmãs por parte de pai e mãe, Júlia, da qual tenho mais
de um retrato em meus arquivos, não sei com absoluta certeza se, em matéria de
sangue não europeu, tinha só indígena.[6]
[1] Mauro Mota, Soneto Muito Passadista na Ponte da Madalena.
[2] É possível que João Pegado I,
além de avô, fosse padrinho de João Pegado II.
[3] Meu avô, sem a menor dúvida,
tinha consciência de sua origem e posição de classe social. Isto não significa
que conhecesse detalhes genealógicos. É verdade que, entrando pela ficção,
podia, não digo reivindicar, mas admitir Hernán Cortés como antepassado. Porém Nobiliarquia Pernambucana, Albuquerques,
Cavalcantis, Maria do Espírito Santo, Dona Catarina, de nada disso meu avô
tinha consciência nem com isso se importava. Mas se orgulhava de ter um neto americano
que descendia da índia Pocahontas, antepassada das melhores famílias da
Virgínia e vizinhança.
[4] Eu sei que Cortez ou Cortês é nome
de vila em Portugal (Vila Cortês do Mondego, Vila Cortês da Serra e talvez
outras, já me tendo também constado que houvesse uma aldeia com tal nome, situada
perto de Aveiro), além de ser o nome de uma farmácia em Lisboa, na Rua do Ouro
ou perto. Nesta farmácia eu estive em março de 2012 (hoje é o dia 31 desse mês
e estou no Recife desde o dia 5). Perguntei, muito cortêsmente, por que a
farmácia se chamava “Cortez”. Uma senhora, com ar de proprietária, me disse que
os donos atuais não têm nada a ver com alguma família Cortez. O nome já seria o
mesmo no século XIX. A conversa foi amável e eu terminei com a ameaça jocosa de
que iria fazer um processo para reaver minha herança. Cortés (ou Cortès) é nome
típico de Cristão-Novo (Xueta) em
Maiorca. Consta igualmente que Cortez, Cortês, Cortès ou assemelhados são nomes
típicos de Ciganos em Portugal e Espanha. (Mas Courtès, Courtois, Cortese e parecidos
são comuns, entre gente que não é nem judia nem cigana, na França e na Itália.)
Procurando, encontra-se muita gente com sobrenome Cortês ou Cortez em Portugal
e no Brasil. No momento mesmo em que revejo esta nota, o “Google”, que eu
naturalmente consultei, está cheio da história de um jogador de futebol que
mudou o “nome artístico” (baseado em sobrenome real) de Cortês para Cortez. Cortez é grafia portuguesa arcaica de Cortês, do mesmo jeito que até talvez os
anos trinta do século XX, escrevia-se “portuguez”, “francez” e “inglez”, sem
risco de castelhanismo. Hernán Cortés, o conquistador do México, não é
necessariamente cognato de Natanael, embora este, quando eu tinha uns oito
anos, respondendo a uma pergunta que lhe fiz (minha curiosidade histórica vem
de longe), admitiu, um tanto sotto voce, que
descendíamos desse grande capitão.
[5] Esse Jerônimo de Albuquerque
(1510-1584), muito conhecido de historiadores e genealogistas especializados,
português muitas vezes denominado “o Adão Pernambucano”, era irmão de Dona
Brites de Albuquerque, casada que foi com o primeiro donatário da Capitania de
Pernambuco, Duarte Coelho Pereira. É também antepassado, provavelmente várias
vezes (e, pelo menos uma vez, através da filha Catarina), de meu pai
[6] Talvez tia Júlia tivesse apenas
feito um “permanente” no cabelo.
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