segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Homenagem à mãe

Publicação: 13/09/15 - TRIBUNA DO NORTE
Woden Madruga [woden@terra.com.br]

No meio da semana me chega carta do doutor Paulo Bezerra, o ilustre missivista dos sertões do Seridó, escritor afamado, médico e criador de boi em sua fazenda Pinturas entre serras e várzeas do Acari.  Desta feita ele presta uma homenagem a   sua mãe, senhora Maria Jesus Bezerra, cuja vida é um exemplo maior do papel que a mulher sertaneja exerce na formação da família e da sociedade de sua terra. “Tributo à minha mãe” é o título que Paulo Balá deu ao seu belo texto:

“Meu caro Woden:

Peço-lhe licença para lhe falar de quem me trouxe ao mundo.

Maria Jesus Bezerra, minha mãe, nascida em Acary a 9 de agosto de 1896, aprendeu a ler, contar e escrever com sua mãe Olindina Ernestina da Costa Pereira, professora do Grupo Escolar Tomás de Araújo, filha de Antônio Ernesto da Costa Pereira e Ana Maria da Costa Pereira, esta filha do primeiro escrivão de Jardim do Seridó, Luís Magalhães Cirne. Casou a 14 de janeiro de 1914, aos 17 anos, com Silvino Adonias Barbosa, de 22. Casados viveram na cidade, no Cardeiro, no Pai Mané e no Olho Dágua por onde nasceram os dez filhos a termo.

A primogênita, em 1915, morreu cedo; a segunda de 1916 viveu 93 anos; a de 1918 morreu novinha; a de 1920 morreu de parto aos 27; depois o de 22, se foi de câncer aos 65; o de 1924, de falência renal, morreu aos 16 anos quando aluno do internato do Colégio Americano Batista do Recife; aos 75 anos, vítima de uma queda, morreu o de 1925 e, de 1926 a 1928, talvez algum vindo fora de temo a ser perder no caminho... Depois, em 1929, nasce mais um varão, este morto em desastre rodoviário em 1968, em 1931 um natimorto, que seria Joao Batista e, em 1933, fechando o firo, o cidadão que lhe escreve.

E assim corria o tempo de seca a inverno e verão e a luta de todos os dias fazendo queijo, apurando manteiga da terra, costurando as roupas de casa, sacos de feira, regrando a despensa e o apurado das bananas, do leite e das batatas. Nada que se estruísse. E aos filhos as primeiras letras na carta de ABC e os números da tabuada. Pela boca da noite, o sol já perdido no poente, o pelo sinal e as rezas de todos os dias com o pedido de bênção ao pai e à mãe do Céu e ao pai e à mãe da terra. Lições de obediência. Paz entre irmãos. Respeito aos mais velhos. Mas aqui e acolá cantava modinhas da sua mocidade acompanhadas ao violão. Com seu talhe de letra repetitivo e belo escrevia em cadernetas endereços, orações, versos e pensamentos.

Católica por criação e entendimento, pertenceu a várias irmandades onde se dedicou e de alguma foi presidente. Vestiu hábito de franciscana em procissões e, por fim, a lhe servir de vestimenta na viagem derradeira, traje por sua vontade mesmo determinado. No rosário de contas brancas e azuis pendurado no pescoço rezava contrita a pedir salvação para os que se foram e felicidade plena aos que ficaram.

E ainda a almofada, trazida pelos portugueses no século XIX, a ser tida como um patrimônio da humanidade, por ela fora trabalhada tantas vezes. Era um cilindro de pano cheio de folha seca ou de algodão, carecendo de bilros, alfinetes, espinhos de xiquexique, linha e cartão perfurado, virando até atividade rentável. A dança dos bilros de madeiro presos por sua extremidade em linha de carretel, trocados de mão em mão, cruzando para um e outro lado, numa ligeireza incrível, enchia o ar de um batuque ritmado e seco resultante do choque das cabeças. Espinhos de xiquexique sustentavam o cartão de furos, modelo da peça que se fazia e os bilros momentaneamente não utilizados. O aprumo, ao longo da obra, era mantido pelos alfinetes para reproduzir o desenho do cartão. Desse trabalho saia o bico com um aceiro liso e outro franjado ou a renda com duas franjas, segundo o modelo. Da minha Olindina passou à minha mãe esse ofício que saudoso aqui recordo e as minhas irmãs aprenderam.

Nos meus tempos de ginasiano e ainda depois disso, eu e José Sueco de Medeiros fizemos sólida amizade, ele ali chegado de São José da Bonita com os pais e irmãos, sendo o chefe da família funcionário dos Correios e Telégrafos então sob as ordens de Mário Gonçalves de Medeiros, um homem de muito caráter que a Paraíba nos mandou. O nosso tempo era em parte consumido em decifrar charadas encontradas em revistas ou jornais, o que era raro por ali àquele tempo, ou por nós inventadas como “a catinga zomba da cidade, 2 e 1”, com a resposta – catinga / aca e zomba / ri – Acari, e assim por diante. Também o mexe-mexe e o jogo do impugno eram o passatempo de tardes e manhãs com a participação do Dr. Mário da Silva Neto.

E até se falou em biblioteca quando alguns livros foram arrebanhados como, se bem me lembro, de uma coleção de quatro (ou seis?) livros sobre a Segunda Guerra que eu havia lido não sabendo, porém, qual o fim daquele nosso sonho. Talvez tenha ficado queimando que nem fogo de monturo... Outro ponto de convergência entre nós era a Irmandade dos Vicentinos atinente à Sociedade de São Vicente de Paulo, com uma casa adjacente ao cemitério que também levava o mesmo nome, consistindo em angariar meios para prover a precisão de muitos. Ali viveu um meu parente, acossado de tuberculose. Era o antigo seminarista Jonas (*15 de setembro de 1915), descorado, pouco de corpo, emagrecido, filho de Sóter Pereira de Araújo, primo legítimo do meu pai.

Ora, Biblioteca é um termo derivado de duas palavras do grego: ‘biblio’, que significa livro e ‘theke’, que quer dizer depósito. Portanto um depósito de livros aberto à leitura é uma biblioteca como a da nossa cidade, com 18.000 volumes. A de Alexandria, no Egito, fundada quatro séculos a.C., tinha 700 mil livros e foi destruída por um incêndio. A do Congresso Americano conta com 30 milhões de exemplares, com o dobro em manuscritos, além de papéis raros. A Biblioteca Nacional, possui 9 milhões de peças sendo, pelo seu acervo, considerada a sétima do mundo.

Entonce que, a 22 de novembro de 1960, por ato do prefeito Francisco Seráfico Dantas, o seu nome foi dado à Biblioteca Municipal em louvor à humilde, discreta e caridosa mulher que deixou como exemplo sua dedicação à Família e à Igreja.

Seus descendentes – o filho, netos, bisnetos e tetranetos – agradecem. ”

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