sábado, 3 de agosto de 2013

Os judeus construíram o Centro Israelita em Natal. Com a decadência da capital, foram embora para o Rio de Janeiro e São Paulo.

OS JUDEUS EM NATAL.


Gileno Guanabara

A Cidade do Natal nasceu sob o signo da ideologia cristã, durante a expansão do mercantilismo europeu. Donatários, padres, aventureiros, corsários e desterrados foram os primeiros a contagiar os indígenas com seu sangue e suas chagas. Os negros vieram depois. A miscigenação através de relações legais, adúlteras ou pecaminosas, fecundou proles numerosas.
Nos primeiros anos do século XX, a Cidade dos Reis Magos recebeu também a presença dos judeus. Vieram do Leste Europeu, alguns deles serfaditas, todos perseguidos pela intolerância racial ou religiosa. Foram ondas inquisitórias sucessivas o que os motivou a se aventurarem noutra Diáspora, em busca de uma nova Jerusalém que os acolhesse.
Aleatoriamente a província Natal tornara-se referência para os primeiros judeus que aqui aportaram. No censo realizado em 1900, Natal contabilizava apenas uma dezena de israelitas. A chegada do primeiro irmão da família Palatinik fomentou o lucro fácil e fez crescer a comunidade chamada “Jerusalém do Brasil”.
Segundo o trabalho acadêmico de Luciana Souza de Oliveira (A Fala dos Passos: Imigração e Construção de Espaços Judaicos na Cidade do Natal”- Natal 2009) o primeiro dos irmãos judeus, Tobias, se dedicou ao mascate de produtos a domicílio no ano de 1912. Com a chegada dos demais, em poucos anos já acumulavam riqueza e adquiriram propriedades. A sociedade natalense não hostilizava a comunidade judaica. No entanto, a segregação foi estabelecida de parte deles, quando dos casamentos inter-semita de Tobias; Adolfo; José; e Jacob, todos da família Palatinik. Igualmente ocorreu com outras famílias judias.
 Se não traziam riqueza de monta, no entanto, portavam o “Talmude”, a lei oral que norteava a experiência de vida, capaz de manter-lhes as tradições e ritos preservados da origem e até de propiciar vencer as barreiras do asilo sem serem molestados. No silêncio da noite, após a labuta diária e das orações, solfejavam palavras, liam os jornais, a fim de se fazerem entender no comércio das mercadorias que o consumo local ainda não conhecia. A par da disposição para o trabalho pesado, traziam em seus mantras a noção da Torá, a Lei escrita legitimadora da condição de judeu.
No sítio dos Palatinik, através de escritura de doação, no terreno sito no bairro da Cidade Alta, na Rua Felipe Camarão, foi construída a Sinagoga, lugar sagrado de suas orações. Para a “sacramentalização” do espaço foi transferida a arca onde se guardava os pergaminhos em forma de rolo da Torá, escrito à mão, em hebraico, trazido da Palestina.
Tinham preocupação com os seus mortos. Junto a Prefeitura, reivindicaram a demarcação do lugar, onde repousariam os falecidos. Foi-lhes dado o alvará para, nos limites convencionados, ser erigido o “Cemitério Israelita”, no Cemitério do Alecrim, para onde os mortos eram conduzidos em “Levayá” e homenageados através do “Keriá”, em obediência da “mitzvá”.
Com o culto e estabelecido o lugar sagrado - tido entre os judeus como da vida, da morte e das orações – foi possível acumular riqueza que era compartilhada com as necessidades dos parentes próximos e dos amigos que não vieram no primeiro momento. Retornaram à Palestina de onde buscaram as mulheres com quem casariam e dividiriam o nome e a vida. Com os filhos que nasceram compuseram um estrato social distinto, mantido pelo trabalho, pelas tradições e práticas culturais, o sonho inabalável de um dia regressar a Palestina.
Conservavam os nomes de família:”Slavni”; “Genesi”; “Kaller”; “Josuá”; “Weinstein”; “Volfzon”; “Palatinik”, dentre outros. Criaram a associação que os congregava e protegia - Centro Israelita do Rio Grande do Norte. Ao tempo da Segunda Guerra houve dificuldades para a concessão de vistos de entrada aos judeus. A comunidade articulou a vinda de Einstein ao Brasil, repercutindo favoravelmente a causa dos judeus. A visita de Luis da Câmara Cascudo ao Centro Israelita, no dia de “Yom Kippur” provocou o mesmo efeito. Dissipou veleidades correntes que atribuíam aos judeus a prática da agiotagem e “sabedoria” em seus negócios.
A presença judia em Natal se revela nos novos conceitos da arquitetura que a cidade adotou, de ruas e casas da cidade Alta. Eram exímios artífices em ouro, marcenaria, alfaiataria, música e agricultura. No comércio e na prática contábil, deram as primeiras experiências de vendas a crédito. Na parte da educação, as primeiras escolas de ensino infantil, chamadas “Herzlia” (jardim da infância), acolhiam os filhos dos judeus.  Professores foram trazidos da Palestina e ensinavam em hebraico. Também vieram professores do Recife, a fim de ensinar matemática e a leitura da Torá, obrigatoriamente.
Não sei a que atribuir os motivos que desfizeram a comunidade dos judeus na cidade Alta, em Natal, e de seus descendentes. A Vila Palatinik é uma reminiscência do antigo sítio que abrigou a Sinagoga e as casas das famílias dos judeus vindos e nascidos em Natal, até o ano de 1930.